Hoje apeteceu-me contar uma história verdadeira, passada comigo não há muito tempo mas que me vem fazendo sorrir sempre que saio de casa o que, nos dias que correm, é uma boa forma de descompressão. Então cá vai...
Era uma vez uma gata siamesa muito gira que em tempos apareceu cá por casa parecendo abandonada e faminta. Miava insistentemente ao ponto de impressionar meu marido que, sem saber o que lhe dar para lhe mitigar a fome e sem prática alguma com felinos, lhe espetou com um prato à frente contendo restos do nosso almoço do dia - salada de atum que, como é sabido, além de feijão frade e o respectivo atum, leva ovo cozido às rodelas, salsa e cebola picada bem como azeitonas a gosto. Soube mais tarde que os gatos odeiam cebola por lhes fazer muito mal. Escusado será dizer que a gata, esfomeada como estava, comeu tudo sem tocar numa partícula que fosse da dita cebola que, posso jurar-vos, a tinha picado bem até demais.
A gata, mais tarde batizada por nós de Bi-Xana, adotou-nos bem como ao jardim e tão bem se sentiu que daí em diante as suas ninhadas passaram a nascer na garagem. A filharada foi sendo distribuída à medida que ia nascendo e se emancipava da mãe gata até que, da última de 7 filhos, nascida em Junho passado, dois dos quais nados-mortos, apenas conseguimos dar um casal siamês mas, os que lhe fugiram ao controlo da raça, dois pretos (o Yannick e o Djaló) e uma cinzenta (a Lucy), foram ficando por cá até que alguém goste tanto deles que nos permita a sua oferta gostosa.
O que verdadeiramente justifica que vos conte esta história foi o facto de me ter adaptando a um diálogo humano-felino que jamais me teria passado pela cabeça ser capaz antes de ter adotado a Bi-Xana. Falamos bem uma com a outra e entende-mo-nos às mil maravilhas. Ela mia e eu... respondo. Eu falo e ela... mia.
Ora um dia destes, tendo saído de manhã e regressado a casa quase em cima da hora do almoço, decidi retirar um saco de leitão congelado que coloquei sobre a mesinha existente no alpendre da cozinha uma vez que o sol estava bem quente e ajudaria a descongelação natural do dito leitão enquanto prepararia o respectivo acompanhamento. Lá fui pondo a mesa, fazendo a salada, cortando umas rodelas de laranja e fritando as batatas quando o meu marido me pergunta pelo leitão. Saí decidida e ao procurar pelo dito saco, que não se encontrava onde o coloquei, nem queria acreditar no que me dizia o meu marido, que o mesmo teria sido levado pela Bi-Xana. Já me preparava para fazer uns ovos estrelados em substituição do petisco, quando o meu marido, que felizmente decidiu ir à "sala de refeições" dos felinos, me trouxe o saco já aberto e sem um pedaço de leitão, não sem antes dar uma boa sapatada na atrevida ladra. Sentida por ter sido agredida, desapareceu por umas horas e, mais tarde dirigiu-se-me a fazer queixas do dono. Ao contrário do habitual não a apoiei e disse-lhe, bem zangada, se era assim que tratava os donos que nunca lhe falhavam com as refeições a tempo e horas para ela e os filhos e ela, qual gata rafeira e esfaimada, se dava ao luxo de roubar a refeição dos próprios donos sem qualquer justificação só porque... era leitão.
A coisa foi de tal modo que durante 3 dias não vi Bi-Xana nem filhos e ao fim desse período, julgado por ela suficiente para se auto-punir pelo acto irreflectido, lá apareceu com muito cuidado e por períodos fugazes para pisar o terreno e ver se finalmente a teríamos perdoado. O giro da situação é que já lá vai uma semana e cada dia que passa ela aparece mas, quando lhe falo, vira-me as costas qual donzela ofendida, como que a dizer que teria sido dura demais na admoestação e agora, quem está sentida é ela e só ela a gata mais amiga e fiel que algum humano se pode dar ao luxo de perfilhar.
Para já não sei se aguente tamanho castigo a que estou a ser sujeita. É de ir às lágrimas de tanto rir devido ao seu ar de, repito, donzela ofendida. E esta hein!?!?!?