domingo, 30 de novembro de 2008

A razão dos Avós


Quando renegamos a nossa história pessoal, ela acaba por nos aparecer mais tarde ou mais cedo sob diversas formas: ou disfarçada, em sonhos que nos inquietam e que se repetem ao longo da vida; ou através de comportamentos, de actos mal reflectidos junto de outros, que não são senão respostas mais ou menos inconscientes a problemas não resolvidos com os nossos antepassados. Por exemplo, sabe-se que muitas dificuldades conjugais são o reflexo de exigências para com o companheiro que são impossíveis de satisfazer, porque radicam no deve-haver afectivo que nos liga às figuras parentais: o membro do casal reivindica no aqui e agora, mas de facto está a pedir solução para a «dívida» afectiva face aos seus progenitores que procurou ignorar na presente disputa. Em muitos casos, a clarificação ou descoberta desses elos perdidos contribui para que o par conjugal compreenda melhor como a situação actual tem raízes longínquas, de modo a ficar mais livre para tomar decisões sobre o seu futuro. A crise conjugal não se resolve, na maioria dos casos, com a decisão judicial sobre o divórcio, pelo risco da projecção do conflito nos filhos, ou pela possibilidade de os problemas se repetirem com novos relacionamentos afectivos: sem algum trabalho de reflexão sobre a forma como os membros do casal se tornaram adultos e sobre a maneira como foram educados, o mais certo é que tudo continue na mesma, apesar de parecer diferente com novos protagonistas.

Nesta perspectiva, parti para este livro com a ideia de tentar perceber como foram os meus avós, com o pressuposto de que quem eu sou começou neles, porque foram eles que educaram os meus pais e os tornaram pessoas adultas. As informações de que à partida dispunha faziam-me crer na importância dos seus valores junto de meus pais: sempre os ouvi descrever como grandes educadores e como pessoas cheias de convicções, muito conscientes do seu papel de pais e sempre disponíveis para indicar percursos aos seus descendentes. O único dos meus avós com quem privei, a minha Avó materna, seria a pessoa mais estudada, pelo facto de não só ter estado presente até aos meus trinta anos, mas também porque dispunha de mais fontes de informação para o meu trabalho.

Não me pareceu legítimo desenvolver muito a vida dos meus pais por duas razões fundamentais: primeiro, porque a curta distância temporal e sobretudo a proximidade afectiva nunca permitiriam uma análise com um mínimo de objectividade; depois, porque não sou o único filho, nem este livro pretende sequer aproximar-se de um romance familiar, género que nem sequer é do meu agrado. Não poderia, contudo, deixar de os descrever a espaços, porque tenho consciência da forma exemplar como receberam e ampliaram a herança das suas famílias de origem, tornando-a a instância estruturante da sua forma de educar.

Pequeno extracto do primeiro capítulo do livro, editado pela Caminho, cuja capa publicamos aqui, da autoria de Daniel Sampaio, pedo-psiquiatra com quem me identifico totalmente nas suas intervenções diárias ou semanais que acompanho no Rádio Clube Português, nomeadamente em matérias muito actuais como as relações entre avós e netos, quando a presença dos pais quase se extingue por força da construção de carreiras ou, pior ainda, por exigências provocadas por roturas familiares na sequência de sucessivos divórcios.

O mote parece-me deveras interessante, como prenda de Natal, para Pais e Avós. Acredito que até morrer há sempre lugar para aprender.

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